Penso que por "portas e travessas" já terão percebido que o relacionamento com os meus pais é algo complicado.
Quem conhece a minha história de vida, costuma perguntar-me "n" de vezes como é que eu ainda os consigo tratar por pai e mãe.
Acontece que não querendo desculpar tudo o que me fizeram, compreendo que eram eles mesmos umas crianças quando me tiveram e que não tinham condições materiais e mais importante, condições psicólogicas para serem pais.
Ser pai e mãe é um papel que não serve a toda a gente e daí o meu respeito pelo assunto "vamos ter um filho". As pessoas tendem a levar com demasiada ligeireza esse assunto, quando devia ser uma das mais importantes e pensadas decisões das suas vidas.
Bem, o que eu quero dizer é que ao longo dos anos em que praticamente me criei sozinha, tenho vindo a aprender uma das principais qualidades do ser humano: a capacidade de perdoar.
Compreendo que eles não sejam perfeitos, como ninguém o é, compreendo que algumas das atitudes deles foram uma forma bastante distorcida e doentia de mostrar o amor deles por mim, mas ainda assim... Amor.
Não vou dizer que com o perdão veio o esquecimento, porque isso seria mentira.
Tenho bem vívidas lembranças que me perseguem por mais que eu as queira apagar, mas aprendi a esperar deles aquilo que eles me podem dar. A nossa capacidade de frustração perante as coisas na vida, vem no seguimento do nosso nível expectável.
Assim sendo, o meu nível de expectativas passou a ser ZERO e a partir da tomada dessa decisão, tem sido bem mais fácil e pacífico para mim lidar com este relacionamento sempre bastante complicado de gerir.
O que mais me magoa, ainda hoje, é que muitas das coisas que se passaram entre nós tenham sido por eles tão facilmente ignoradas, esquecidas ou desprezadas, quando para mim foram acontecimentos traumáticos.
Mas aí está: a culpa dessa mágoa é minha! Não posso esperar deles aquilo que eles nunca terão a capacidade de alcançar, de dar ou de retribuir.
Traumas à parte, eles são meus pais e tive de arranjar uma forma de os introduzir na minha vida sem que isso causasse desconforto para mim própria.
Enquanto entidades parentais, não lhes reconheço nenhum tipo de autoridade. Eles sabem disso e ao longo dos anos, perceberam que essa era a única forma de os manter na minha vida. Como meus amigos, consegui ter algum tipo de relação mais ou menos saudável com eles. Essa separação de definições de estatutos foi bastante trabalhosa, mas lá percebemos que era o único meio.
As pessoas erram e eu acredito que todos nós merecemos aprender com os nossos erros, crescer com isso e tornarmo-nos pessoas melhores.
Admito também aqui publicamente o que eles sabem ser a mais pura realidade: falo-lhes e estimo-os e sim amo-os, por que existe um elo de ligação entre nós que não passa por sermos do mesmo sangue, mas sim pela existência da LL.
Se não existisse a minha irmã mais nova, eu vivia bem sem saber deles. Até por que nunca pude contar com eles e nesse sentido eram perfeitamente dispensáveis.
Hei-de contar-vos aqui algures (hoje não) a história da existência da minha irmã e os acontecimentos que daí advieram, para vocês percebem melhor esta estranha história.
Com todo este extenso post o que eu vos quero dizer é que hoje liguei para o meu pai a desejar-lhe um feliz dia do pai e o "agradecimento" que recebi foi este:
Eu depois da troca normal de felicitações e agradecimentos: Pai, em que horário estás para a semana que vem? É que, como sabes, vou ser operada e precisava que alguém me levasse ao hospital.
Pai: A que horas é a operação?
Eu: Às 10h da manhã.
Pai: Pois, eu estou a trabalhar nesse dia no turno da manhã, por isso não posso.
Eu: Deixa lá, os meus colegas também se disponibilizarm a levar-me ao hospital. Eu lá hei-de arranjar alguém que me dê uma boleia. (FYI: os meus colegas moram na margem sul)
Pai: Vai de transportes!
No comments!
Vou ser submetida a mais uma intervenção cirurgica, a sexta mais concretamente, e sim até pode parecer: é pá é só mais uma operação, deixa-te de merdas.
Mas sabem que mais? Uma operação nunca é só mais uma operação. É um procedimento que, por muito simples que possa parecer, tem os seus riscos. Uns calculados, outros nem tanto.
Demorei imenso tempo a acordar da última anestesia e quem me diz a mim que acordo desta?!
É claro que irei acordar. A minha força de vontade de viver é que cá me mantém... Mas magoa-me pensar que se eu morresse para a semana que vem, que essa tinha sido a última coisa que o meu pai me tinha dito... Para eu ir de transportes.
Nem sei se vocês conseguem alcançar o que eu quero dizer. O que é que esse tipo de coisas me fazem sentir.
Bem sei! A culpa é minha. Sou eu que continuo estupidamente a pensar que as coisas poderiam mudam. Há coisas que simplesmente não mudam. É mais uma das lições que tenho de retirar desta vida.
Vezes há em que tenho receio do tipo de pessoa em que me transformarei com a quantidade de decepções e consequentes aprendizagens que vou angariando ao longo da vida. E receio, porque temo que não seja uma pessoa melhor, mais tolerante, mais Humana...
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